sábado, 11 de fevereiro de 2012

Com escassez de fundos, ONGs/aids fecham e interrompem projetos de prevenção ao HIV

Consideradas essenciais na resposta contra a aids, as organizações não governamentais brasileiras que atuam contra a epidemia passam por uma grave crise financeira. Segundo coordenadores de ONGs/aids ouvidos pela Agência de Notícias da Aids, o combate ao HIV já não é mais prioridade para o governo, há desinteresse por parte das empresas privadas e o processo de descentralização dos recursos financeiros burocratizou o acesso aos fundos.

O grupo Movimento de Apoio ao Paciente de Aids (MAPA), de São Paulo, completou 23 anos neste mês. No convite enviado a amigos e colaboradores chamando para celebrar a data, o grupo pede apoio: “Estamos desenvolvendo nosso trabalho com dificuldades e não podemos prescindir da sua ajuda. Venha dar um abraço no MAPA. Traga um presente, que pode ser em forma de alimentos não perecíveis, uma prenda para o bingo ou se você puder ou preferir, em dinheiro...”

Esta difícil situação financeira explícita pelo MAPA é observada na maioria das organizações não governamentais brasileiras que atuam contra a aids. Segundo coordenadores de ONG/aids ouvidos pela Agência de Notícias da Aids, o combate ao HIV já não é mais prioridade para o governo e há uma concepção das empresas privadas de que é uma doença totalmente controlada. Por isso, a cada ano, a falta de recursos é maior.

“Sem dinheiro do governo, estamos recorrendo à comunidade e às iniciativas próprias de geração de renda, mas não são suficientes”, critica a presidente do MAPA, Dira Leira Morette Gomes.

Sediado no bairro Jardim Claudia, extremo oeste da cidade de São Paulo, o MAPA atende 65 famílias carentes. “Levamos alimentos e atenção as pessoas vivendo e convivendo com o vírus da aids, mas para isso temos 20 voluntários e cinco profissionais que precisam receber salários para manter o grupo ativo”, argumenta.

Dira reclama do atual modelo de repasse de fundos do governo para as ONG/Aids. Desde 2003, o Ministério da Saúde deixou de financiar diretamente essas organizações, descentralizando esse repasse para os Estados. “Agora temos nossos projetos avaliados por estudiosos e teóricos, mas que não entendem nada do dia a dia das nossas organizações. O acesso aos fundos está muito mais difícil e burocrático”, comentou.

No Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (GAPA) de São Paulo, uma das primeiras ONG/Aids da América Latina, a falta de recursos financeiros está prejudicando a mais tradicional atividade da organização, o apoio jurídico. “Apenas eu estou trabalhando como advogada aqui, pois ninguém quer trabalhar de graça”, conta a presidente Áurea Abbade.

Áurea lembra que as doações depositadas na conta do GAPA-SP sempre foram suficientes para pagar algumas despesas do grupo, mas atualmente a conta fica até três meses sem nenhuma doação. As pequenas ajudas, como doações de pães e outros alimentos por parte dos comerciantes do bairro, também são raras. “A aids ficou banalizada. Saiu da moda”, diz.

O escritório onde está a sede do GAPA em São Paulo foi doado ao grupo recentemente por uma pessoa que apoia a instituição, o que ajuda na economia de aproximadamente R$ 3 mil por mês. Mas em outros grupos da rede, como o GAPA de Ribeirão Preto, a necessidade financeira é tão grande que corre o risco de fechar as portas, conta Áurea.

”Movimento foi estatizado e não seduz novos ativistas”

Mário Scheffer é especialista em saúde pública e presidente do Grupo Pela Vidda (Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids) de São Paulo. Para ele, a atual a crise financeira das ONG/aids nunca foi tão aguda. “O movimento de luta contra a aids foi estatizado. Os recursos e a agenda das ONGs são fundamentalmente governamentais. Com os atrasos e limitações dos repasses dos programas, as ONGs interrompem ou comprometem a qualidade dos seus projetos. Ninguém segura uma equipe de prevenção, por exemplo, tamanho é o hiato entre um financiamento e outro”, critica.

Segundo o especialista, há uma grande fuga de voluntários. “Nossa causa não seduz mais novos ativistas. A pouca militância em ONG é hoje remunerada, movida a interesses menores, como diárias, passagens aéreas, honorários baixíssimos e incertos”, explica. “Boa parte dos antigos ativistas está hoje alojada em cargos no governo, o que ajudou a desfalcar e a acelerar mais a crise das ONGs”, acrescenta.

Mário acredita que o saudosismo sobre aquela sociedade civil forte na luta contra a aids não levará a lugar algum. “Jamais seremos como antes. Quem sabe, no próximo ENONG, possamos discutir como reinventar nossa história com aquilo que sobrou”, conclui.

Com o lema “Ativismo: Identidade, Crise e Reinvenção”, o XVI ENONG, Encontro Nacional das ONGs que trabalham com DST/Aids no Brasil, está previsto para acontecer entre os dias 11 e 14 de novembro em Belém, no Pará.

Governo diz que destina R$ 10 milhões para as ONGs/aids

Segundo a assessoria de comunicação do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, o Ministério da Saúde repassa aos Estados anualmente R$ 10 milhões para projetos a serem executadas pelas ONG/aids.

No Estado de São Paulo, há dois anos ocorre também o repasse de fundos do governo federal direto para as secretarias de saúde de oito municípios: Campinas, Sorocaba, São Vicente, Catanduva, Ribeirão Preto, Guarulhos, Piracicaba e São Paulo.

Valéria Silva, do Programa Estadual de DST/Aids, explica que esta descentralização até os municípios tem por objetivo desenvolver ações mais adequadas à realidade local, assim como melhorar as articulações entre as organizações governamentais e não governamentais.

Entre 2003 a 2008, cerca de 455 projetos de ONG/aids foram financiados no Estado de São Paulo, totalizando um repasse médio de R$ 4.33 milhões por ano.

Em 2010, a Coordenação Estadual de DST/Aids destinou 5.2 milhões para ações comunitárias, sendo que cada projeto não pode exceder o valor de R$ 160 mil.

Sobre a crítica da Presidente do MAPA, Dira Gomes, acerca do atual modelo de financiamento das ONGs/Aids, a gerente de planejamento do Centro de Referência e Treinamento de DST/Aids do Estado de São Paulo, Vilma Cervantes, disse que os projetos são avaliados por um grupo formado por técnicos, representantes do governo e da própria sociedade civil. “Em cada edital, mudamos as pessoas que fazem a avaliação”, explicou.

Histórico da descentralização de fundos

Até 2000 – O financiamento das ONG/Aids era feito pelo Departamento de Aids do Ministério da Saúde com recursos do Banco
Mundial.

2000 – Recursos começam a ser descentralizados para os
Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Ceará.

2002 – É publicada a portaria 2.313 do Ministério da Saúde que cria a política de incentivo e define o repasse de recursos fundo a fundo para os Estados a ser repassado às ONG/Aids.

2009 – São Paulo começa o repasse direto de recursos do
governo federal para os municípios de Campinas, Sorocaba, São Vicente, Catanduva, Ribeirão Preto, Guarulhos, Piracicaba e São Paulo.



Fonte: Agência de Notícias da Aids

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