Consideradas essenciais na resposta
contra a aids, as organizações não governamentais brasileiras que atuam
contra a epidemia passam por uma grave crise financeira. Segundo
coordenadores de ONGs/aids ouvidos pela Agência de Notícias da Aids, o
combate ao HIV já não é mais prioridade para o governo, há desinteresse
por parte das empresas privadas e o processo de descentralização dos
recursos financeiros burocratizou o acesso aos fundos.
O grupo Movimento de Apoio ao Paciente de Aids (MAPA), de São Paulo,
completou 23 anos neste mês. No convite enviado a amigos e colaboradores
chamando para celebrar a data, o grupo pede apoio: “Estamos
desenvolvendo nosso trabalho com dificuldades e não podemos prescindir
da sua ajuda. Venha dar um abraço no MAPA. Traga um presente, que pode
ser em forma de alimentos não perecíveis, uma prenda para o bingo ou se
você puder ou preferir, em dinheiro...”
Esta difícil situação financeira explícita pelo MAPA é observada na
maioria das organizações não governamentais brasileiras que atuam contra
a aids. Segundo coordenadores de ONG/aids ouvidos pela Agência de
Notícias da Aids, o combate ao HIV já não é mais prioridade para o
governo e há uma concepção das empresas privadas de que é uma doença
totalmente controlada. Por isso, a cada ano, a falta de recursos é
maior.
“Sem dinheiro do governo, estamos recorrendo à comunidade e às
iniciativas próprias de geração de renda, mas não são suficientes”,
critica a presidente do MAPA, Dira Leira Morette Gomes.
Sediado no bairro Jardim Claudia, extremo oeste da cidade de São Paulo, o
MAPA atende 65 famílias carentes. “Levamos alimentos e atenção as
pessoas vivendo e convivendo com o vírus da aids, mas para isso temos 20
voluntários e cinco profissionais que precisam receber salários para
manter o grupo ativo”, argumenta.
Dira reclama do atual modelo de repasse de fundos do governo para as
ONG/Aids. Desde 2003, o Ministério da Saúde deixou de financiar
diretamente essas organizações, descentralizando esse repasse para os
Estados. “Agora temos nossos projetos avaliados por estudiosos e
teóricos, mas que não entendem nada do dia a dia das nossas
organizações. O acesso aos fundos está muito mais difícil e
burocrático”, comentou.
No Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (GAPA) de São Paulo, uma das
primeiras ONG/Aids da América Latina, a falta de recursos financeiros
está prejudicando a mais tradicional atividade da organização, o apoio
jurídico. “Apenas eu estou trabalhando como advogada aqui, pois ninguém
quer trabalhar de graça”, conta a presidente Áurea Abbade.
Áurea lembra que as doações depositadas na conta do GAPA-SP sempre foram
suficientes para pagar algumas despesas do grupo, mas atualmente a
conta fica até três meses sem nenhuma doação. As pequenas ajudas, como
doações de pães e outros alimentos por parte dos comerciantes do bairro,
também são raras. “A aids ficou banalizada. Saiu da moda”, diz.
O escritório onde está a sede do GAPA em São Paulo foi doado ao grupo
recentemente por uma pessoa que apoia a instituição, o que ajuda na
economia de aproximadamente R$ 3 mil por mês. Mas em outros grupos da
rede, como o GAPA de Ribeirão Preto, a necessidade financeira é tão
grande que corre o risco de fechar as portas, conta Áurea.
”Movimento foi estatizado e não seduz novos ativistas”
Mário Scheffer é especialista em saúde pública e presidente do Grupo
Pela Vidda (Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids) de
São Paulo. Para ele, a atual a crise financeira das ONG/aids nunca foi
tão aguda. “O movimento de luta contra a aids foi estatizado. Os
recursos e a agenda das ONGs são fundamentalmente governamentais. Com os
atrasos e limitações dos repasses dos programas, as ONGs interrompem ou
comprometem a qualidade dos seus projetos. Ninguém segura uma equipe de
prevenção, por exemplo, tamanho é o hiato entre um financiamento e
outro”, critica.
Segundo o especialista, há uma grande fuga de voluntários. “Nossa causa
não seduz mais novos ativistas. A pouca militância em ONG é hoje
remunerada, movida a interesses menores, como diárias, passagens aéreas,
honorários baixíssimos e incertos”, explica. “Boa parte dos antigos
ativistas está hoje alojada em cargos no governo, o que ajudou a
desfalcar e a acelerar mais a crise das ONGs”, acrescenta.
Mário acredita que o saudosismo sobre aquela sociedade civil forte na
luta contra a aids não levará a lugar algum. “Jamais seremos como antes.
Quem sabe, no próximo ENONG, possamos discutir como reinventar nossa
história com aquilo que sobrou”, conclui.
Com o lema “Ativismo: Identidade, Crise e Reinvenção”, o XVI ENONG,
Encontro Nacional das ONGs que trabalham com DST/Aids no Brasil, está
previsto para acontecer entre os dias 11 e 14 de novembro em Belém, no
Pará.
Governo diz que destina R$ 10 milhões para as ONGs/aids
Segundo a assessoria de comunicação do Departamento de DST, Aids e
Hepatites Virais, o Ministério da Saúde repassa aos Estados anualmente
R$ 10 milhões para projetos a serem executadas pelas ONG/aids.
No Estado de São Paulo, há dois anos ocorre também o repasse de fundos
do governo federal direto para as secretarias de saúde de oito
municípios: Campinas, Sorocaba, São Vicente, Catanduva, Ribeirão Preto,
Guarulhos, Piracicaba e São Paulo.
Valéria Silva, do Programa Estadual de DST/Aids, explica que esta
descentralização até os municípios tem por objetivo desenvolver ações
mais adequadas à realidade local, assim como melhorar as articulações
entre as organizações governamentais e não governamentais.
Entre 2003 a 2008, cerca de 455 projetos de ONG/aids foram financiados
no Estado de São Paulo, totalizando um repasse médio de R$ 4.33 milhões
por ano.
Em 2010, a Coordenação Estadual de DST/Aids destinou 5.2 milhões para
ações comunitárias, sendo que cada projeto não pode exceder o valor de
R$ 160 mil.
Sobre a crítica da Presidente do MAPA, Dira Gomes, acerca do atual
modelo de financiamento das ONGs/Aids, a gerente de planejamento do
Centro de Referência e Treinamento de DST/Aids do Estado de São Paulo,
Vilma Cervantes, disse que os projetos são avaliados por um grupo
formado por técnicos, representantes do governo e da própria sociedade
civil. “Em cada edital, mudamos as pessoas que fazem a avaliação”,
explicou.
Histórico da descentralização de fundos
Até 2000 – O financiamento das ONG/Aids era feito pelo Departamento de Aids do Ministério da Saúde com recursos do Banco
Mundial.
2000 – Recursos começam a ser descentralizados para os
Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Ceará.
2002 – É publicada a portaria 2.313 do Ministério da Saúde que cria a
política de incentivo e define o repasse de recursos fundo a fundo para
os Estados a ser repassado às ONG/Aids.
2009 – São Paulo começa o repasse direto de recursos do
governo federal para os municípios de Campinas, Sorocaba, São Vicente,
Catanduva, Ribeirão Preto, Guarulhos, Piracicaba e São Paulo.
Fonte: Agência de Notícias da Aids
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